sábado, 15 de janeiro de 2011

Linha do Tua












A Linha do Tua é uma linha de caminho-de-ferro do Nordeste Trasmontano, no Norte de Portugal. É uma via de bitola métrica, mais vulgarmente denominada por Via Estreita (VE), que parte da estação da aldeia da Foz do Tua na zona do Douro Vinhateiro (Património da Humanidade), e que, na sua máxima extensão, percorria 134Km de distância até ao seu términos em Bragança. Actualmente, apenas 58Km da via permanecem explorados, entre o Tua e Mirandela, e entre esta e Carvalhais, estando 54Km dessa totalidade (Tua - Mirandela) em perigo de encerramento.
No seu percurso, o comboio atravessa uma magnífica paisagem de vales profundos e grandes rochedos que a linha atravessa em pontes, paredões e túneis. Está entre as linhas de mais difícil construção em Portugal, sendo ao mesmo tempo das mais belas e selvagens de todas. Na sua estação de partida marca presença o comboio a vapor do Douro, que tem tido enorme aceitação, e que permite aos passageiros uma visita à não menos deslumbrante Linha do Tua.
Porém, antes que se torne uma inevitabilidade o seu encerramento, é propósito deste espaço dar a conhecer esta linha ímpar, e mostrar as suas potencialidades e importância para a região onde se insere, para que mais pessoas a possam conhecer e desfrutar dos seus encantos, bem como permitir que continue a servir as populações locais, cujo isolamento será dramático com o fecho da linha.

A década de 1880 em Portugal, no panorama ferroviário, foi marcada por grandes avanços, tanto a nível nacional como a nível internacional. Nesta década, linhas como a da Beira Alta, Oeste e Ramal de Cáceres foram concluídas, e Portugal inaugurou três ligações internacionais, a partir das estações fronteiriças de Valença (Minho), Barca d'Alva (Douro) e Marvão-Beirã (Cáceres). A 1 de Setembro de 1883 o comboio chegava à Foz do Tua, no que seria a continuação da Linha do Douro até à fronteira com a Espanha na Foz do Águeda, em Barca d'Alva. Esta ligação internacional estaria concluída no mesmo ano em que se inauguraria a Linha do Tua até Mirandela.
Porém, uma vez que estes projectos necessitam de meses de negociações e estudos de engenharia e custos, os primeiros passos para a construção da Linha do Tua foram dados ainda o comboio não havia chegado ao Peso da Régua, centro nevrálgico do Alto Douro. A intenção inicial do projecto ferroviário previa já a ligação de Bragança à Linha do Douro, o qual seria conseguido após a conclusão da primeira fase do Tua até Mirandela. Foi em 1878 que foram apresentados não um, mas dois projectos distintos para a construção da via-férrea da estação duriense à cidade da Terra Quente Trasmontana. Um deles, foi elaborado pelo engenheiro João Dias e pelo condutor Bernabé Roxo, sob a direcção do engenheiro Sousa Brandão, pela margem direita do Rio Tua. O outro, realizado pelo engenheiro António Pinheiro, seguia pela margem esquerda do Rio Tua; seria este o projecto que vingaria.
A 22 de Junho de 1882, foi apresentado à Câmara dos Pares, órgão de soberania da Monarquia Constitucional Portuguesa, pela Câmara Municipal de Mirandela, a aprovação do projecto de lei para a subvenção de 135 contos de réis para cobrir a garantia de juro de 5% para a empresa que construísse a Linha do Tua até Mirandela. Após este passo da Câmara Mirandelense, várias personalidades do Porto, de entre as quais se destaca a figura de Clemente Meneres, juntaram-se para dar força à petição para a Câmara dos Pares. Clemente Meneres ficará para sempre ligado à história da Linha do Tua, ao ter contribuído de forma decisiva para a aprovação da sua construção, e na segunda fase da linha, com a passagem desta pelas quintas do Romeu, onde estabeleceu uma sólida Companhia agrícola, que seria sustentada pela presença da via-férrea para escoar os seus produtos.
Não obstante este pedido, a Câmara de Mirandela decidiu recorrer ao Rei D. Luís I para a aprovação da construção da via-férrea a 11 de Janeiro de 1883, servindo-se ainda de um pedido de apoio à Associação Comercial do Porto para exercer pressão a favor da aprovação deste projecto. Esta associação detinha grande poder de influência na altura, e nesse tempo, havia a possibilidade da Linha da Beira Alta desviar o principal pólo de distribuição de bens do Porto para os Portos a Sul. Nas palavras da época, isto significaria que as ervas cresceriam nas ruas do comércio portuenses. Este foi o mote para a construção da Linha do Douro até além fronteira; e, sem a Linha do Douro, a do Tua não faria sentido.
Fruto destas condições favoráveis, é lançado em 26 de Abril de 1883 em Carta de Lei o concurso para a construção da via-férrea do Vale do Tua, quando era ainda Fontes Pereira de Melo, uma das figuras máximas de Estado da História de Portugal, um dos responsáveis pelas obras públicas no país. O vencedor do concurso foi o mesmo grupo responsável pela adjudicação da Linha do Dão (Santa Comba Dão a Viseu), adjudicando o Governo a construção da via ao Conde da Foz. Porém, em Dezembro desse ano, o contrato seria trespassado à Companhia Nacional de Caminhos de Ferro (CN), extinta em meados do século XX, que teria na figura do engenheiro açoriano Dinis da Mota o dirigente das obras.
Surge 1884, e com ele a passagem dos papéis ao terreno. Em 26 de Maio a adjudicação das obras à CN é confirmada por decreto governamental, a 30 de Junho dá-se a assinatura do contrato definitivo, e em 16 de Outubro arranca  finalmente a obra, em Mirandela. Começara uma verdadeira epopeia de três anos de construção de uma das mais notáveis obras de engenharia civil portuguesa, com peripécias e esforços inolvidáveis, que numa única viagem se podem palidamente imaginar. Devido à enorme dureza das obras e das gentes, o primeiro engenheiro no terreno vê-se forçado a desistir. As dificuldades técnicas e disciplinares foram um entrave que estava a perigar a continuação da obra. Foi então que, depois de grandes provas de competência, é chamado o engenheiro Dinis da Mota, que com uma vontade inabalável conseguiu levar a construção a bom termo.
Foram excepcionalmente difíceis os quilómetros iniciais, desde o Tua até Brunheda. Além do grande desnível a vencer, o vale do Rio Tua no seu percurso final é profundo e encaixado, serpenteando por gargantas e escarpas implacáveis de rocha pura. Do Tua a Santa Luzia, numa extensão de 14Km, foram construídas três pontes e quatro túneis, o que só por si dá uma ideia da tarefa que foi permitir que os comboios chegassem a Mirandela. No lugar das Fragas Más, ermo e composto por blocos maciços de granito em ambas as margens, foi preciso uma sucessão túnel - ponte - túnel, a pouca distância uns dos outros. Os trabalhadores lutavam diariamente com cargas de dinamite e escarpas traiçoeiras, muitas vezes com a população mais próxima a quilómetros, por carreiros íngremes, ou mesmo sem acessos nenhuns. O esforço e disciplina necessários para o avanço das obras sugere que este foi um trabalho ímpar de construção e dedicação.
Foram longos e penosos os meses de trabalhos, mas finalmente terminaram. A 27 de Setembro de 1887 a linha estava concluída e era oficialmente aberta à exploração. A verdadeira pompa da inauguração ficaria para o dia 29 de Setembro, altura em que o Rei D. Luís I e o Príncipe Herdeiro D. Carlos inauguravam a linha em Mirandela. De entre a comitiva régia, destaca-se ainda a presença do grande artista português Rafael Bordalo Pinheiro, criador da figura incontornável do "Zé Povinho". A locomotiva da inauguração, a Trás-os-Montes (da construtora alemã Emil Kessler em Esslingen, com o número E81), foi pilotada pelo próprio Dinis da Mota, locomotiva essa que ficou guardada depois de ser retirada de circulação nas cocheiras da estação de Bragança. A partida do Tua foi assistida por uma grande massa, de entre a qual representantes das Câmaras de Alijó, Carrazeda de Ansiães e São João da Pesqueira. A chegada dos comboios a Mirandela foi efusivamente recebida, e os convidados de honra, de entre os quais o Governador Civil de Bragança, o Bispo de Bragança-Miranda, o Presidente da Câmara Municipal de Mirandela, e representantes das Câmaras de Macedo de Cavaleiros, Valpaços, Bragança, Vila Flor e Alfândega da Fé. Foram todos acolhidos com um banquete nas instalações do cais de mercadorias da estação, decorado para o efeito por Manini e Marques da Silva. A corte Real foi hóspede dos Condes de Vinhais, antes do regresso à capital do Reino.
Estava lançado no Nordeste Trasmontano o mais forte veículo de desenvolvimento que o mundo até então vira. Antes dos comboios poderem apitar em Bragança, teriam de ser passados ainda 19 longos anos, de avanços, recuos, e mais uma excepcional obra de engenharia que levaria o caminho-de-ferro à sua cota máxima em Portugal, e alguns dos principais responsáveis da obra a um trágico fim.


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